III Congresso Estadual AEARV debate coletividade e construções para o futuro
Perante um auditório formado por cerca de 200 profissionais dos segmentos da engenharia e arquitetura, o III Congresso Estadual AEARV evidenciou alguns dos tópicos mais atuais sobre o tema ‘Coletividade: construções para o futuro’. Nos dias 31 de agosto e 01 de setembro, na Fundação Casa das Artes, especialistas protagonizaram um ciclo de palestras de alto gabarito técnico.
“A programação do Congresso Estadual AEARV foi uma oportunidade imperdível de termos contato com novas ideias, com bons exemplos teóricos e cases de sucesso. Pelo terceiro ano consecutivo, trouxemos até a cidade de Bento Gonçalves nomes que são referência em suas áreas de atuação. Tivemos temos acesso a informações muito ricas, que poderemos aplicar, no dia a dia, fazendo nossa parte por uma sociedade cada vez mais engajada em sua responsabilidade com a construção de um futuro coletivo”, disse a presidente da entidade, Daniele Artini Gujel Capellari.
No palco do fórum, arquitetos como Domingos Pascali, Sarkis Semerdjian, Luiz Merino Xavier, Edson Matsuo e Marcelo Ferraz; os engenheiros Luiz Carlos Pinto Silva Filho; Marcus Daniel e Daniel Pagnussat e as empresas NEX Group (engenheiros Raquel H Reck e Luiz Carlos Carini Medeiros); Studio Arthur Casas (Gabriel Ranieri); AT Arquitetura (arquiteto Tarso Carneiro); Wikihaus Incorporadora (Eduardo K. Pricladnitzki) compartilharam relevantes informações (relembre os destaques a seguir).
Além das explanações dos conferencistas, os participantes puderam conferir novidades em produtos e serviços trazidas por mais de 15 empresas/entidades apoiadoras do fórum. Em mini-estandes, esses parceiros expuseram seus lançamentos em espaços temáticos na Rua Coberta de Bento Gonçalves, como atração complementar à programação de palestras. O III Congresso AEARV contou com a presença do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Rio Grande do Sul (CREA-RS), do CAU/RS (Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio Grande do Sul) e do Sindicato dos Engenheiros do Estado do Rio Grande do Sul (SENGE); das empresas Artelana, Byrne, Costaneira, Cristo Rei Materiais Elétricos, Espaco Décor, Friza, Meber Metais, Modelo Vidros, Perlare, Pró-Cor Tintas, Sole Aquecimento, Weiku, Bigfer e Berneck, além da Ascon Vinhedos e da Universidade de Caxias do Sul.
Destaques das palestras:
Mario Biselli: Habitação e Cidade: Fundador do Biselli Katchborian Arquitetos Associados, de São Paulo, explicou que relacionar a arquitetura à habitação e à cidade é inerente às capacidades técnicas do profissional. “Somos arquitetos urbanistas por formação, portanto não há nenhuma particular dificuldade em pensar arquitetura ou cidade. Conhecemos os instrumentos de projeto e a cultura acumulada em torno dos problemas”, justifica. Segundo ele, tanto os edifícios quanto as unidades habitacionais são definidores e qualificadores da cidade e, portanto, devem estar no centro das decisões estratégicas. “Os sistemas de financiamento para a casa própria são conhecidos e vão se aperfeiçoando, mas a qualidade dos modelos urbanos e das unidades habitacionais está ainda muito distante dos padrões internacionais”, avaliou.
Nex Group: Comitê de boas práticas: A NexGroup é uma grande incorporadora gaúcha, responsável por levar os melhores empreendimentos imobiliários para a região sul do país. Com empreendimentos para diferentes perfis, excelente qualidade construtiva e ótimas localizações, a Nex apresentou o conceito de transformar desafios em satisfação para os seus clientes.
Para isso, destacou o compromisso de oferecer produtos acima das expectativas, atendendo sempre a todos os diferentes momentos e a diferentes necessidades. Dessa forma, contou os cases de sucesso que marcam seu portfólio de trabalho, constrói sucessos, tendo como compromisso realizar o melhor negócio com os seus clientes. A apresentação trouxe, ainda, temas como planejamento e controle da produção, projeto do sistema de produção, modelagem 4D e simulação da produção.
Luiz Carlos Pinto Silva Filho: Tendências emergentes em materiais e sistemas de construção: Especialista nas áreas de materiais e estruturas de engenharia civil, o engenheiro Luiz Carlos Pinto Silva Filho centrou sua fala na Norma de Desempenho de Edificações, em vigor desde 2013 e criada a fim de garantir qualidade às obras da construção civil. Falou sobre a vida útil do concreto – mínimo de 50 anos segundo a norma – e como é importante atrelar isso a conhecimentos como manutenção, vital para que a vida útil do projeto atenda às expectativas. Salientou a necessidade de pensar a obra como uma solução e não apenas uma entrega para o cliente. “Temos que pensar em projetar para desmontar”, ensinou, a fim de facilitar, por exemplo, troca de equipamentos grandes. Entre as tendências, apontou as construções verdes. Reforçou a utilização de telhados verdes e projeção de prédios como sendo pertencentes ao tecido urbano e com gestão de resíduos. Exemplificou que, em 60 anos, as leis ambientais nos Estados Unidos mais que decuplicaram – em 1940 existiam 10 e, em 2000, já eram 120 – e que, no Brasil, órgãos públicos já exigem a questão de sustentabilidade nos editais. Também disse que a plataforma BIM – software sobre o ciclo de vida de uma construção –, os novos concretos (auto-adensável, com fibras e de pós-reativos) e a nova arquitetura (menos carro, mais pessoas) são caminhos a seguir.
Domingos Pascali e Sarkis Semerdjian: O Experimento na Arquitetura: Para Domingos Pascali e Sarkis Semerdjian, do escritório Pascali Semerdjian Arquitetos, de São Paulo, o profissional precisa expandir sua visão de arquiteto. Estar atento a roupas, brinquedos e carros, por exemplo, pode ser um meio de buscar inovação no ramo. Foi o modelo-conceito da BMW Gina, por exemplo, que inspirou parte do projeto deles para a Galeria Melissa, em Nova York. Ou melhor, o material do qual ele era feito, uma espécie de tecido tecnológico. Embora o custo tenha inviabilizado sua utilização no projeto, é um exemplo de como outras áreas podem contribuir para a arquitetura. “É importante observar, ver coisas que a gente gosta, pessoas que estão fazendo coisas interessantes em várias áreas”, disse Pascali. Na Casa Ipanema, no Rio, outro dos projetos apresentados, eles procuraram levar a identidade do famoso bairro carioca para a loja – um prédio que conversa com a rua, convidando quem passa a adentrar. “A comunidade foi engajada a participar, levando objetos que identificassem o lugar”, comentou Sarkis.
Luiz Merino Xavier: a preservação do patrimônio como estratégia de desenvolvimento: “A questão do tombamento precisa ser vista como um investimento”, defendeu o arquiteto Luiz Merino Xavier, responsável pelo projeto Monumenta, iniciativa do Ministério da Cultura para requalificar os centros históricos urbanos do país. “Primeiramente, claro, como fator de preservação, mas tem essa consequência econômica. Isso pode ser um grande vetor para o desenvolvimento”. Citou a estabilização do pórtico e a restauração da cobertura no Cais do Porto, na Capital, como exemplo. “O Cais voltou a ocupar a cidade”, disse, lembrando que depois das melhorias o espaço passou a ser procurado para eventos como Casa Cor e Bienal do Mercosul. Segundo ele, o Monumenta oportunizou a melhoria não apenas de um determinado prédio, mas do espaço público, como praças, ruas e passeios. Para Xavier, é importante fazer inventários técnicos para o tombamento e preservação, e sempre com a participação da comunidade, que deve ser ouvida. “A preservação não precisa ser imutável, ela tem que ser urbanística, conviver com a arquitetura moderna, é preciso que haja compatibilização”.
Tarso Carneiro: a relação do espaço construído com a cidade, case Campus Unisinos POA: Tendo como base o projeto desenvolvido para o Campus da Unisinos em Porto Alegre, o arquiteto Tarso Carneiro disse que é preciso não se prender muito a ideia de um projeto. “O que realmente importa é executar a obra e as pessoas a usarem. Os anos é que dirão se a arquitetura utilizada foi boa ou não”, apontou. Para ele, as cidades são feitas de muitos pequenos projetos, e a arquitetura de hoje está na contramão da crítica que os próprios arquitetos fazem. “A gente quer uma solução, não se importa com o coletivo. Estamos afastando as construções das ruas, com pavimentos subterrâneos para estacionamentos, grades e cercas, deixando a cidade mais escura”, acredita. Segundo Carneiro, do escritório AT Arquitetura, a arquitetura precisa de estratégia – “etapa mais importante, junto com o cliente para tomar as decisões macros” –, identidade – “não pode ser um prédio mais extravagante que o outro, pensar no que que a identidade significa para aquele lugar” –, compromisso – “com o planeta e o cliente” –, resultado – “o que a gente gera para o cliente” – e proposta – “por que a gente faz as coisas, o que nos leva a fazer arquitetura?”
Marcus Daniel: Interação e qualidade entre unidades habitacionais: Assim como o engenheiro Luiz Silva Filho, o colega Marcus Daniel Friedrich dos Santos falou da importância da Norma de Desempenho – e da corresponabilidade de moradores, com a manutenção, e dos fornecedores, com o ensaio dos materiais. “Segundo a norma, o custo da manutenção é em torno de 1% a 1,5% do investimento, e isso para manutenção programada”, disse. O engenheiro lembrou que o uso de materiais fora da norma pode implicar em complicações para receber o seguro, por exemplo, num caso de incêndio, e que as exigências mínimas para a acústica também precisam ser cumpridas. “Há índices diferentes para fachadas, divisão entre quartos e paredes que separam do vizinho. Vocês, arquitetos, precisam projetar com materiais que cumpram o desempenho”, recomendou.
Eduardo K. Pricladnitzki – A colaboração como o futuro da incorporação imobiliária: Os novos tempos exigem novos negócios. Assim surgiu a Wikihaus, uma incorporadora que trabalha de forma colaborativa num mercado tradicional como o da construção civil. Nascida com o foco no consumidor moderno, hiperconectado e consciente, exigente e empoderado, independente e opinativo – os chamados millennials – , a empresa escuta o que esses jovens têm a dizer. Na Wikihaus, os compradores em potencial e especialistas de mercado participam de reuniões de cocriação para definir como os imóveis devem ser. Assim surgiu o empreendimento Cine Teatro Presidente – marco cultural da Capital –, onde tudo soa novo, com área de convivência e coworking integrados e compartilhamento de equipamentos como ferramentas. O lançamento foi uma convenção de venda digital para corretores que podiam assistir de casa. “No primeiro mês, tivemos 50% do empreendimento vendido”, contou o administrador Eduardo Pricladnitzki, sócio da empresa. Um outro empreendimento será desenhado por estudantes de arquitetura, cooptados através do Facebook, e com supervisão de um profissional da Wikiahus. “O conhecimento não está só dentro da empresa. Ele precisa ser devolvido para a comunidade para que outras pessoas vejam que é possível fazer de outra forma. Ouvir as pessoas não é um diferencial, é uma questão de sobrevivência”.
Daniel Pagnussat: A importância da Especificação e Controle Tecnológico de Materiais e Sistemas Construtivos: O engenheiro Daniel Pagnussat defendeu os estudos técnicos como forma de garantir a eficácia dos materiais utilizados numa obra. Ele disse que é preciso investir recursos em consultorias e para comprovar o desempenho dos materiais, mas que isso também deve ser cobrado dos fornecedores. O também professor disse que é preciso seguir as normas de cada material escolhido para que o conjunto da obra se destaque. “Não dá para usar tijolos diferentes porque serão cobertos por argamassa, cada um absorve de maneira diferente”, salientou. “No momento que muda o sistema construtivo, muda uma série de controles. A alvenaria estrutural exige abandono de certos vícios, para dar certo é preciso que se cumpra suas características. Como tudo na vida exige conhecimento, quanto mais temos conhecimento mais conseguimos resolver problemas”.
Edson Matsuo: para um mundo colaborativo qual o seu IKIGAI?: Designer da Melissa e arquiteto, o descendente de japonês Edson Matsuo trouxe da terra de seus pais alguns conceitos para enxergar a vida sob outro ângulo. “Emoção é tudo”, disse, para começar sua palestra. Trazendo o conceito do Ikigai (iki=vida e gai=realização dos desejos), Matsuo foi mais psicólogo do que arquiteto para estimular a reflexão e as formas como pensamos. Numa palestra tecnológica, com auxílio da internet, pediu ao público para que desse um número de um a cinco referente ao grau de reflexão provocado para cada um dos 10 itens de sua conversa. O termo ikigai vem da ilha de Okinawa, no sul do Japão, simbolizado por uma mandala que intersecciona quatro itens – o que você ama fazer, o que você é bom em fazer, o que você pode ser pago para fazer e o que é bom para o mundo – com sua paixão, missão, profissão e vocação. “O Ikigai é a razão pela qual todas as manhãs nos levantamos da cama. Exige uma pesquisa profunda de si mesmo e traz sentido à vida”, disse.
Marcelo Ferraz: O passado no presente: Marcelo Ferraz é conhecido por seu desprendimento quanto às questões que envolvem patrimônio e já comprou muita briga com o Iphan. Nada que demovesse de seu estilo de pensar o patrimônio. “Ele não pode ser um bibelô”, disse. “Saudade na arquitetura não funciona”, emendou. Ferraz defende a cultura local como fator preponderante na realização de um projeto de preservação. Citou o Museu do Pão, em Ilópolis (RS), cidade crivada de moinhos, onde o ato de produzir farinha de trigo foi quase à extinção a partir dos anos 1960, quando o governo proibiu a produção em moinhos artesanais. “Houve uma movimentação social para a comunidade. Essa cidade é marcada pelos moinhos e nada se falava sobre isso. Este trabalho introduziu-os de volta à história da cidade”. O arquiteto disse que as cidades precisam ser melhoradas e, portanto, trabalho não falta. “É o projeto que vai conquistar recurso, e não o contrário”. Para ele, a arquitetura é um instrumento de ação do homem a favor da sociedade. “É uma ferramenta que usamos para intervir na vida das pessoas”.
Gabriel Ranieri: Projeto Studio Arthur Casas: O arquiteto Gabriel Ranieri faz parte do time de Arthur Casas, um dos principais arquitetos contemporâneos do país. Apresentando projetos em escalas variadas e contando um pouco do trabalho do estúdio, que começou mais focado em arquitetura de interiores, Ranieri disse que o pensamento da equipe é desenhar o projeto em sua totalidade – arquitetura, mobília, acessórios e paisagismo. Aos preceitos da escola Bauhaus, incorpora-se elementos do modernismo, sempre evidenciando o respeito pela cultura local – seja em NY, Paris, Tóquio ou Rio, lugares que o escritório assina projetos. O Studio Arthur Casas também é conhecido pela conversa íntima criada entre os ambientes das áreas externa e interna em seus projetos. “É preciso entender o que se tem nas mãos para trabalhar, estar atento aos elementos que a situação te dá”, disse. Hoje, o Studio Arthur Casas assina de talheres a casas, de hotéis a grandes construções, de condomínios a praças. Para Ranieiri, é preciso preocupação além da estética e funcionalidade ao se projetar uma construção. “Nenhum projeto se sustenta sem sua relação com o entorno”.